Neste meu hábito surpreendente de te trazer de costas
neste meu desejo irreflectido de te possuir num trampolim
nesta minha mania de te dar o que tu gostas
e depois esquecer-me irremediavelmente de ti
Agora na superfície da luz a procurar a sombra
agora encostado ao vidro a sonhar a terra
agora a oferecer-te um elefante com uma linda tromba
e depois matar-te e dar-te vida eterna
Continuar a dar tiros e modificar a posição dos astros
continuar a viver até cristalizar entre neve
continuar a contar a lenda duma princesa sueca
e depois fechar a porta para tremermos de medo
Contar a vida pelos dedos e perdê-los
contar um a um os teus cabelos e seguir a estrada
contar as ondas do mar e descobrir-lhes o brilho
e depois contar um a um os teus dedos de fada
Abrir-se a janela para entrarem estrelas
abrir-se a luz para entrarem olhos
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala
e depois ruidosa uma dentadura velha
E no cimo disto tudo uma montanha de ouro
E no fim disto tudo um Azul-de-Prata.
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
"Inventário" por Alexandre O'Neill
Um dente d'ouro a rir dos panfletos
Um marido afinal ignorante
Dois corvos mesmo muito pretos
Um polícia que diz que garante
A costureira muito desgraçada
Uma máquina infernal de fazer fumo
Um professor que não sabe quase nada
Um colossalmente bom aluno
Um revolver já desiludido
Uma criança doida de alegria
Um imenso tempo perdido
Um adepto da simetria
Um conde que cora ao ser condecorado
Um homem que ri de tristeza
Um amante perdido encontrado
Um gafanhoto chamado surpresa
O desertor cantando no coreto
Um malandrão que vem pe-ante-pé
Um senhor vestidíssimo de preto
Um organista que perde a fé
Um sujeito enganando os amorosos
Um cachimbo cantando a marselhesa
Dois detidos de fato perigosos
Um instantinho de beleza
Um octogenário divertido
Um menino coleccionando estampas
Um congressista que diz Eu não prossigo
Uma velha que morre a páginas tantas
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
Por Alexandre O'Neill
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.
quinta-feira, 19 de setembro de 2013
De "Pena Capital" por Mário Cesariny
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura ...
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura ...
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
domingo, 2 de junho de 2013
segunda-feira, 25 de março de 2013
De "Antes que Anoiteça" por Reinaldo Arenas
Passeio por ruas desmoronando-se
em delapidados esgotos
por entre prédios de que se foge
pois caem-nos em cima.
Por entre toscos rostos
que nos medem e condenam,
por entre lojas fechadas,
mercados fechados,
cinemas fechados,
jardins fechados, cafés fechados,
exibindo às vezes
poeirentos cartazes justificativos.
Fechado para obras,
Fechado por renovação..
Que género de renovação?
Quando termina a tal obra,
a tal renovação?
Quando sequer começa?
Fechado, fechado, fechado
tudo fechado.
Chego, abro inúmeros cadeados,
subo a correr
a improvisada escadaria;
aí esta ela, esperando-me.
Encontro-a, destapo-a
e contemplo a sua poeirenta
e fria forma,
sacudo o pó e acaricio-a.
Com pequenas palmadas
limpo-lhe o lombo,
a base, os lados.
Sinto-me desesperado,
feliz a seu lado,
de frente para ela
passo as mãos pelo teclado
e rapidamente tudo começa:
com o tá-tá e tilintar
a música começa, pouco a pouco,
agora mais rápida,
agora a toda a velocidade.
Paredes, árvores, ruas,
catedrais, rostos e praias.
Celas, mini-celas,
grandes celas,
noites estreladas,
pés descalços, pinhas, núvens,
centenas, milhares,
um milhão de papagaios,
bancos e uma trepadeira.
Tudo acode, tudo vem,
Tudo se aproxima.
As paredes recuam, o tecto
some-se e flutuas naturalmente,
flutuas desenraízado,
flutuas arrancado, arrastado,
elevado, levado, transportado,
imortalizado e salvo.
Graças a essa inaudível
e constante cadência,
por essa música,
por aquele ta-ta-tá incessante.
sexta-feira, 1 de março de 2013
De "A Man in Full" por Tom Wolfe
The fan overhead went
scrack scrack scraaaacccckkkkk.
Grover Washington's
saxophone went buhooomu-hoooooooom....
Thra-gooooom!
Gluglugluglug went the
toilets....
And then the tuckatuckatuckatuckatuckatucka [of spoons beating ice
cream cups] began.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
"Comic Strip" por Serge Gainsbourg
♫
Viens petite fille dans mon comic strip
Viens faire des bull's, viens faire des WIP !
Des CLIP ! CRAP ! des BANG ! des VLOP ! et
des ZIP !
SHEBAM ! POW ! BLOP ! WIZZ !
J'distribue les swings et les uppercuts
Ca fait VLAM ! ça fait SPLATCH ! et ça
fait CHTUCK !
Ou bien BOMP ! ou HUMPF ! parfois même PFFF !
SHEBAM ! POW ! BLOP ! WIZZ !
Viens petite fill' dans mon comic strip
Viens faire des bull's, viens faire des WIP !
Des CLIP ! CRAP ! des BANG ! des VLOP ! et
des ZIP !
SHEBAM ! POW ! BLOP ! WIZZ !
Viens avec moi par dessus les buildings
Ca fait WHIN ! quand on s'envole et puis KLING !
Après quoi je fais TILT ! et ça fait BOING !
SHEBAM ! POW ! BLOP ! WIZZ !
Viens petite fill' dans mon comic strip
Viens faire des bull's, viens faire des WIP !
Des CLIP ! CRAP ! des BANG ! des VLOP ! et
des ZIP !
SHEBAM ! POW ! BLOP ! WIZZ !
N'aies pas peur bébé agrippe-toi CHRACK !
Je suis là CRASH ! pour te protéger TCHLACK !
Ferme les yeux CRACK ! embrasse-moi SMACK !
SHEBAM ! POW ! BLOP ! WIZZ !
SHEBAM ! POW ! BLOP ! WIZZZZZ !
♫
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
De "Howl and Other Poems" por Allen Ginsberg
Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy!
Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy!
The world is holy! The soul is holy! The skin is holy!
The nose is holy! The tongue and cock and hand
and asshole holy!
Everything is holy! everybody's holy! everywhere is
holy! everyday is in eternity! Everyman's an
angel!
The bum's as holy as the seraphim! the madman is
holy as you my soul are holy!
The typewriter is holy the poem is holy the voice is
holy the hearers are holy the ecstasy is holy!
Holy Peter holy Allen holy Solomon holy Lucien holy
Kerouac holy Huncke holy Burroughs holy Cas-
sady holy the unknown buggered and suffering
beggars holy the hideous human angels!
Holy my mother in the insane asylum! Holy the cocks
of the grandfathers of Kansas!
Holy the groaning saxophone! Holy the bop
apocalypse! Holy the jazzbands marijuana
hipsters peace & junk & drums!
Holy the solitudes of skyscrapers and pavements! Holy
the cafeterias filled with the millions! Holy the
mysterious rivers of tears under the streets!
Holy the lone juggernaut! Holy the vast lamb of the
middle class! Holy the crazy shepherds of rebell-
ion! Who digs Los Angeles IS Los Angeles!
Holy New York Holy San Francisco Holy Peoria &
Seattle Holy Paris Holy Tangiers Holy Moscow
Holy Istanbul!
Holy time in eternity holy eternity in time holy the
clocks in space holy the fourth dimension holy
the fifth International holy the Angel in Moloch!
Holy the sea holy the desert holy the railroad holy
the
locomotive holy the visions holy the hallucina-
tions holy the miracles holy the eyeball holy the
abyss!
Holy forgiveness! mercy! charity! faith! Holy! Ours!
bodies! suffering! magnanimity!
Holy the supernatural extra brilliant intelligent
kindness of the soul!
Subscrever:
Comentários (Atom)
