Passeio por ruas desmoronando-se
em delapidados esgotos
por entre prédios de que se foge
pois caem-nos em cima.
Por entre toscos rostos
que nos medem e condenam,
por entre lojas fechadas,
mercados fechados,
cinemas fechados,
jardins fechados, cafés fechados,
exibindo às vezes
poeirentos cartazes justificativos.
Fechado para obras,
Fechado por renovação..
Que género de renovação?
Quando termina a tal obra,
a tal renovação?
Quando sequer começa?
Fechado, fechado, fechado
tudo fechado.
Chego, abro inúmeros cadeados,
subo a correr
a improvisada escadaria;
aí esta ela, esperando-me.
Encontro-a, destapo-a
e contemplo a sua poeirenta
e fria forma,
sacudo o pó e acaricio-a.
Com pequenas palmadas
limpo-lhe o lombo,
a base, os lados.
Sinto-me desesperado,
feliz a seu lado,
de frente para ela
passo as mãos pelo teclado
e rapidamente tudo começa:
com o tá-tá e tilintar
a música começa, pouco a pouco,
agora mais rápida,
agora a toda a velocidade.
Paredes, árvores, ruas,
catedrais, rostos e praias.
Celas, mini-celas,
grandes celas,
noites estreladas,
pés descalços, pinhas, núvens,
centenas, milhares,
um milhão de papagaios,
bancos e uma trepadeira.
Tudo acode, tudo vem,
Tudo se aproxima.
As paredes recuam, o tecto
some-se e flutuas naturalmente,
flutuas desenraízado,
flutuas arrancado, arrastado,
elevado, levado, transportado,
imortalizado e salvo.
Graças a essa inaudível
e constante cadência,
por essa música,
por aquele ta-ta-tá incessante.