Já reparaste que tens o mundo inteiro
dentro da tua cabeça
e esse mundo em brutal compressão dentro da tua cabeça
é o teu mundo
e já reparaste que eu tenho o mundo inteiro
dentro da minha cabeça
e esse mundo em brutal compressão dentro da minha cabeça
é o meu mundo
o qual neste momento não te está a entrar pelos olhos
mas através dos nomes
pois o que tu tens dentro da tua cabeça
e o que eu tenho dentro da minha cabeça
são os nomes do mundo em brutal compressão
como um filtro ou coador
de forma que nem és tu que conheces o mundo
nem sou eu que conheço o mundo
mas os nomes que tu conheces é que conhecem o mundo
e os nomes que eu conheço é que conhecem o mundo
o qual entra em ti e o qual entra em mim
através dos nomes que já tem
de forma que o que entra pelos meus olhos não pode
entrar pelos teus olhos
mas só pela tua cabeça através
dos nomes dados pela minha cabeça
àquilo que entrou pelos meus olhos já com nomes
e do mesmo modo
o que entra pelos teus olhos não pode
entrar pelos meus olhos
mas só pela minha cabeça através
dos nomes dados pela tua cabeça
àquilo que entrou pelos teus olhos já com nomes
e assim o que tu vês
já está normalmente dentro de ti antes de tu o veres
e assim o que eu vejo
já está normalmente dentro de mim antes de eu o ver
e tudo quanto tu possas ver para aquém ou para além dos nomes
é indizível e fica dentro de ti
e tudo quanto eu possa ver para aquém ou para além dos nomes
é indizível e fica dentro de mim
e é assim que vamos construindo a nós mesmos pela segunda vez
tu a ti e eu a mim...
construindo urna consciência irrepetível e intransmissível
cada vez mais intensa e em si
tu em ti eu em mim
no entanto continuando a falar um com o outro
tu comigo e eu contigo
cada um
tentando dizer ao outro
como é o mundo inteiro que tem dentro da cabeça
e porque é e para que é
tu o teu mundo que tens dentro da tua cabeça
eu o meu mundo que tenho dentro da minha cabeça
até que morra um de nós
e depois o outro...
sábado, 7 de junho de 2014
quarta-feira, 4 de junho de 2014
De "Rayuela" por Julio Cortázar
No mesmo instante em que ele lhe amalava o noema, ela
lhe dava com o clemiso, e ambos caiam em hidromurias, em abanios selvagens, em
sustalos exasperantes. De cada vez que procurava relamar as incopelusas, ele emaranhava-se
num grimado queixoso e tinha de envulsionar-se de cara para o novalo, sentindo
como se, pouco a pouco, as arnilhas se espechunassem, se fossem apeltronando,
reduplimindo, até ficar estendido como o trimalciato de ergomanina no qual se
tivesse deixado cair umas filulas de cariaconcia. E, apesar disso, aquilo era
apenas o principio, pois em dado momento ela tordulava-se os hurgalios,
consentindo que ele aproximasse suavemente os seus orfelunios. Logo que se
entreplumavam, algo como um ulucordio os encrestoriava, os extrajustava e
paramovia, dando-se, de repente, o clinon, a esterfurosa convulcante das
matricas, a jadeolante embocapluvia do orgumio, os espremios do merpasmo numa
sobremitica agopausa. Evohe! Evohe! Volposados na crista do murelio sentiam-se
balparamar, perlinos e marulos. Tremia o troque, as marioplumas era vencidas, e
tudo se resolvirava num profundo pinice, em niolamas argutendidas gasas, em
carinias quase crueis que os ordopenavam até ao limite das gunfias.
sexta-feira, 25 de abril de 2014
"La Cage" por Edgar Georges
Hamsters, réveillez-vous
la paille vous attend, là-bas
et les regards qui vous fustigent lorsqu’on recherche l’absolu
Une maison, de beaux vêtements, des voyages…
et les regards qui vous fustigent lorsqu’on recherche l’absolu
Une maison, de beaux vêtements, des voyages…
Réveillez-vous et brisez l’algorithme du monstre qui vous écrase !
La marguerite un jour n’aura plus de pétales
Le vent tournera sous ce ciel cristallin
Les bols de jouvence seront bientôt vidés
La foret n’aura plus de secrets, plus de charme
La marguerite un jour n’aura plus de pétales
Le vent tournera sous ce ciel cristallin
Les bols de jouvence seront bientôt vidés
La foret n’aura plus de secrets, plus de charme
Et sur le chemin de la cage ils diront : “Marchons tout droit vers la liberté !”
Donnez-moi raison, laissez-moi crier
Pour nous tous
Du haut de la colline
Que la pureté revienne
Pour nous tous
Du haut de la colline
Que la pureté revienne
sexta-feira, 18 de abril de 2014
De "Cem Anos de Solidão" por Gabriel Garcia Marquez
"Foi Aureliano quem concebeu a formula que
havia de os defender durante vários meses das evasões da memória. Descobriu-a
por acaso. Perito da insónia por ter sido um dos primeiros, aprendera na
perfeição a arte da ourivesaria. Um dia andava à procura de uma bigorna pequena
que costumava usar para laminar os metais e não se recordou do seu nome. O pai
disse-lho: “Tás”. Aureliano escreveu o nome num papel e colocou-o na base da
bigornazinha: Tás. Assim teve a certeza de não o esquecer no futuro. Não lhe
ocorreu que aquela fosse a primeira manifestação do esquecimento, porque o
objecto tinha um nome difícil de recordar. Mas, poucos dias depois, descobriu
que tinha dificuldade em lembrar-se de quase todas as coisas do laboratório.
Então marcou-as com o respectivo nome, de modo que lhe bastava ler a inscrição
para as identificar. Quando o pai lhe comunicou o seu alarme por ter esquecido
até os acontecimentos mais importantes da sua infância, Aureliano explicou-lhe
o seu método e José Arcadio Buendía pô-lo em prática por toda a casa, impondo-o
mais tarde a toda a aldeia. Com um hissope cheio de tinta, marcou cada coisa
com o seu nome: mesa, cadeira, relógio, parede, cama, caçarola. Foi ao estábulo
e marcou os animais e as plantas: vaca, cabra, porco, galinha, jucá, malanga,
bananeira. Pouco a pouco, estudando as infinitas possibilidades do
esquecimento, deu-se conta de que podia chegar o dia em que se reconhecessem as
coisas pela inscrições mas em que não se lembrasse da sua utilidade. Então foi
mais explícito. O letreiro que colocou
no cachaço da vaca era uma prova exemplar de como os habitantes de Macondo
estavam dispostos a lutar contra o esquecimento: é esta a vaca. É preciso ordenha-la
todas as manhãs para que dê leite e é preciso ferver o leite para o misturar
com café e fazer café com leite. Assim continuaram a viver numa realidade
escorregadia, momentaneamente capturada pelas palavras mas que havia de fugir-lhes
irremediavelmente quando se esquecessem dos valores da letra escrita.
Na entrada do caminho para o pântano tinham
posto um cartaz que dizia Macondo e outro, maior, na rua central que dizia Deus
existe."
De "Ossóptico" por António Maria Lisboa
(Ventoinha d’Ouro é a ti que eu amo, candelabro de cera liquida é de ti que eu gosto, imagem louca é a ti que eu possuo no nosso leito macio como uma violeta de uma só pétala de seda e veludo, de dia, de noite, no uivo do bicho pré-histórico que anda alma-penada a existir connosco. Sobre um tambor de pele-humana a tua figura maldita – teu peito de prata, tuas pernas de lua. Tombaram-te os olhos e sou eu ainda que te procuro-encontrando).
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
"Rêve Oublié" por António Maria Lisboa
Neste meu hábito surpreendente de te trazer de costas
neste meu desejo irreflectido de te possuir num trampolim
nesta minha mania de te dar o que tu gostas
e depois esquecer-me irremediavelmente de ti
Agora na superfície da luz a procurar a sombra
agora encostado ao vidro a sonhar a terra
agora a oferecer-te um elefante com uma linda tromba
e depois matar-te e dar-te vida eterna
Continuar a dar tiros e modificar a posição dos astros
continuar a viver até cristalizar entre neve
continuar a contar a lenda duma princesa sueca
e depois fechar a porta para tremermos de medo
Contar a vida pelos dedos e perdê-los
contar um a um os teus cabelos e seguir a estrada
contar as ondas do mar e descobrir-lhes o brilho
e depois contar um a um os teus dedos de fada
Abrir-se a janela para entrarem estrelas
abrir-se a luz para entrarem olhos
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala
e depois ruidosa uma dentadura velha
E no cimo disto tudo uma montanha de ouro
E no fim disto tudo um Azul-de-Prata.
neste meu desejo irreflectido de te possuir num trampolim
nesta minha mania de te dar o que tu gostas
e depois esquecer-me irremediavelmente de ti
Agora na superfície da luz a procurar a sombra
agora encostado ao vidro a sonhar a terra
agora a oferecer-te um elefante com uma linda tromba
e depois matar-te e dar-te vida eterna
Continuar a dar tiros e modificar a posição dos astros
continuar a viver até cristalizar entre neve
continuar a contar a lenda duma princesa sueca
e depois fechar a porta para tremermos de medo
Contar a vida pelos dedos e perdê-los
contar um a um os teus cabelos e seguir a estrada
contar as ondas do mar e descobrir-lhes o brilho
e depois contar um a um os teus dedos de fada
Abrir-se a janela para entrarem estrelas
abrir-se a luz para entrarem olhos
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala
e depois ruidosa uma dentadura velha
E no cimo disto tudo uma montanha de ouro
E no fim disto tudo um Azul-de-Prata.
"Inventário" por Alexandre O'Neill
Um dente d'ouro a rir dos panfletos
Um marido afinal ignorante
Dois corvos mesmo muito pretos
Um polícia que diz que garante
A costureira muito desgraçada
Uma máquina infernal de fazer fumo
Um professor que não sabe quase nada
Um colossalmente bom aluno
Um revolver já desiludido
Uma criança doida de alegria
Um imenso tempo perdido
Um adepto da simetria
Um conde que cora ao ser condecorado
Um homem que ri de tristeza
Um amante perdido encontrado
Um gafanhoto chamado surpresa
O desertor cantando no coreto
Um malandrão que vem pe-ante-pé
Um senhor vestidíssimo de preto
Um organista que perde a fé
Um sujeito enganando os amorosos
Um cachimbo cantando a marselhesa
Dois detidos de fato perigosos
Um instantinho de beleza
Um octogenário divertido
Um menino coleccionando estampas
Um congressista que diz Eu não prossigo
Uma velha que morre a páginas tantas
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
Por Alexandre O'Neill
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.
quinta-feira, 19 de setembro de 2013
De "Pena Capital" por Mário Cesariny
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura ...
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura ...
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
domingo, 2 de junho de 2013
segunda-feira, 25 de março de 2013
De "Antes que Anoiteça" por Reinaldo Arenas
Passeio por ruas desmoronando-se
em delapidados esgotos
por entre prédios de que se foge
pois caem-nos em cima.
Por entre toscos rostos
que nos medem e condenam,
por entre lojas fechadas,
mercados fechados,
cinemas fechados,
jardins fechados, cafés fechados,
exibindo às vezes
poeirentos cartazes justificativos.
Fechado para obras,
Fechado por renovação..
Que género de renovação?
Quando termina a tal obra,
a tal renovação?
Quando sequer começa?
Fechado, fechado, fechado
tudo fechado.
Chego, abro inúmeros cadeados,
subo a correr
a improvisada escadaria;
aí esta ela, esperando-me.
Encontro-a, destapo-a
e contemplo a sua poeirenta
e fria forma,
sacudo o pó e acaricio-a.
Com pequenas palmadas
limpo-lhe o lombo,
a base, os lados.
Sinto-me desesperado,
feliz a seu lado,
de frente para ela
passo as mãos pelo teclado
e rapidamente tudo começa:
com o tá-tá e tilintar
a música começa, pouco a pouco,
agora mais rápida,
agora a toda a velocidade.
Paredes, árvores, ruas,
catedrais, rostos e praias.
Celas, mini-celas,
grandes celas,
noites estreladas,
pés descalços, pinhas, núvens,
centenas, milhares,
um milhão de papagaios,
bancos e uma trepadeira.
Tudo acode, tudo vem,
Tudo se aproxima.
As paredes recuam, o tecto
some-se e flutuas naturalmente,
flutuas desenraízado,
flutuas arrancado, arrastado,
elevado, levado, transportado,
imortalizado e salvo.
Graças a essa inaudível
e constante cadência,
por essa música,
por aquele ta-ta-tá incessante.
sexta-feira, 1 de março de 2013
De "A Man in Full" por Tom Wolfe
The fan overhead went
scrack scrack scraaaacccckkkkk.
Grover Washington's
saxophone went buhooomu-hoooooooom....
Thra-gooooom!
Gluglugluglug went the
toilets....
And then the tuckatuckatuckatuckatuckatucka [of spoons beating ice
cream cups] began.
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